Crónica dos pastéis de nata
Estava eu distraidamente a ler as últimas, quando uma delas me saltou à vista: «O súbito interesse nos pastéis de nata».
Como gosto muito deles, li a notícia, de uma tirada e fiquei de olhos esbugalhados!
Em 1988, um farmacêutico australiano, residente em Macau, conseguiu, insistindo aqui e ali, umas dicas sobre a confecção dos inigualáveis pastéis de nata que provara numa pastelaria mexeruca da Ilha de Coloane. Fez algumas tentativas de fabrico e elaborou uns aldrabados e aproximados pastéis a que pôs o nome de Portuguese Egg Tarts ou, em cantonês, Portuguese Dan Tat, começando logo a vendê-los a um pequeno balcão, mesmo sem mesas ao lado! O sucesso foi garantido e algum tempo depois abriu uma filial, também insignificante,
Sorte grande teve Mr. Andrews, o australiano que trabalhava no casino depois de falhar a abertura de uma farmácia em Macau...e não se arrependeu com a troca de modo de vida.
A grande lição a tirar desta história verdadeira é a enorme contradição existente entre o que somos e o que poderíamos ser, se mudássemos, um pouco que fosse, a nossa mentalidade pequenina, tão bem exemplificada na persistência nacional na defesa, só para nós, do nosso pequenino pastel artesanal para consumo interno no nosso pequenino meio, no nosso pequenino bairro, na nossa pequenina rua, na nossa pequenina roda familiar ou de conhecidos e amigos...no máximo com algumas modificações, chamadas falsificações locais, em pequenos círculos, embora em todo o país. Permanece, portanto, fechado a sete chaves, sem possibilidade de fuga nem que seja à pastelaria do lado ou ao bairro seguinte, de ser propagandeado, distribuído, vendido fora de portas, sem ser à socapa. O que acontece, de vez em quando, se um pasteleiro mais vivo fabrica uma imitaçãozinha nas zonas de maior emigração portuguesa.
É verdade que o nosso artesão foi dos melhores do mundo, enquanto analfabeto. Aprendeu a ler e a preservar a sua arte, está certo, mas isso não foi o suficiente para o que lhe exige o mundo de hoje. Falta-lhe mais conhecimentos, falta-lhe sair da sua roda limitada de amigos, falta-lhe imaginação e iniciativa.
E assim continuará até que um espertalhão qualquer ou uma grande cadeia de negócios espreita o furo e, sem contemplações, faz uma imitação grosseira da sua obra e realiza o seu grande negócio no mundo inteiro. Qualquer dia, não me admirava nada que a KFC ou a M D abrissem uma loja de Famous Portuguese Egg Tarts, com muita canela e tudo, mesmo ao lado dos autênticos Pastéis de Belém e então...
Exemplos como estes devem existir por aí, aos pontapés, extrapolando para empresas de muito maior dimensão e recursos que os pequeninos cafés e pastelarias que substituíram as tascas do nosso apertado e envergonhado tecido urbano. Todos, pequenos e grandes, ainda à espera da chegada do D. Sebastião, numa manhã de nevoeiro...
É que não basta só ser sócio da U. E. e receber subsídios.
É preciso ter olhinhos!
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