terça-feira, 10 de junho de 2008

CRISE, QUAL DELAS?

Crónica da crise que não tem fim

Desde a minha infância que ouço falar da crise que, para os pobres, era então uma só, a crise económica com mil matizes: a crise do açúcar, a crise da batata, a crise do arroz, a crise da agricultura em geral, a crise da adolescência, a crise da saúde, a crise do emprego, a crise dos combustíveis, esta bem repetida de há alguns anos a esta parte, etc. Podia ficar aqui a enumerar crises o ano inteiro. Outras crises além destas, e de que também fui testemunha, já não tiveram, aparentemente tanto impacto directo nas populações, embora no fundo viessem a ter reflexos muito mais profundos e duradoiros na sociedade, como a crise da religião, a crises da moral e dos bons costumes, as crises da educação, as crises políticas...

Não sei se estas, por exemplo, terão mais ou menos impacto, em Portugal, que a crise da batata «no tempo da outra senhora», planta destruída por um maldito escaravelho que roía integralmente as folhas tenras e que foi responsável pelo aumento da fome no país agrícola das décadas de 40 e 50, (alimentado maioritariamente a pão e batata) que obrigou o governo da época a importar o tubérculo e, depois, caros insecticidas para debelar o mal, ante a desconfiança genética dos agricultores, numa agricultura de subsistência sempre vilipendiada ou explorada durante séculos pelas autoridades ou pelos poderosos de serviço.

Acontecia então que os cultivadores de terrenos vizinhos, na agricultura de quintal da maior parte das regiões, nem sempre pulverizavam as plantas com os insecticidas, ou por falta de dinheiro, ou por falta de crença nos funcionários do grémio sempre olhados com desconfiança, e o insecto malvado saltava de propriedade em propriedade, para desespero dos donos, especialmente daqueles que tinham investido as suas economias no tratamento indicado para a cultura. Tardaram anos até que as gentes aprendessem, à custa de muitos prejuízos, que era mister pôr de parte o egoísmo reinante e se tornassem mais solidárias. Só mais tarde ainda é que aprenderam, a muito custo, que era preferível adquirir as batatas de semente inicialmente importadas, e mais caras, que continuar obstinadamente a utilizar as convencionais, agora sujeitas a uma série de pragas e de produtividade cada vez mais fraca...

Aposto em que muito poucos consumidores hoje fazem ideia da evolução da cultura deste tubérculo, comprado no supermercado sob as mais diversas designações, sob as mais diferentes formas e para os mais variados usos...É o contraste entre a época a que me reporto, em que 80% da população do país trabalhava ou dependia da agricultura, e os dias de hoje, em que escassos 20%, ou menos, tratam a terra, já não com a enxada a foice e a gadanha, mas com a moto cultivadora, a ceifeira-debulhadora e mil e um outros maquinismos movidos a gasolina ou diesel, quer dizer, a petróleo.

Antigamente, quando o lavrador dizia que não ganhava para o petróleo era porque estava mesmo no fundo, sem cheta para comprar um quarto de litro do dito para meter na lanterna que alumiava as longas e frias noites de Inverno.

Ora a crise do petróleo que hoje se vive, repetida de tempos a tempos, só os economistas saberão porquê (ou não!) é muito mais vasta que a crise da batata no Portugal de antanho, atinge quase toda a humanidade mas, como em todas as crises, há aspectos comuns, como o desespero das populações mais afectadas ou o gáudio e o lucro imoral dos fomentadores ou simples aproveitadores despudorados da situação.

À resignação inicial das gentes, seguem sempre os protestos exigindo auxílio e, muitas vezes, soluções irracionais. E esse desespero que sobrevem não permite pensar claro, como os agricultores que não pulverizavam as batateiras, nem, como eles, acreditar na bondade das duras ou custosas soluções que são natural ou friamente apontadas.

Quando os filhos esperam em casa pelo alimento cada vez mais caro e difícil de obter, tudo o resto passa a um segundo plano, mesmo que a análise racional dos economistas possa apontar para uma solução milagrosa tão ansiada. Quem, nestas circunstancias acredita em milagres?

Acabei de ler a profecia de um oráculo que vaticinava a subida do preço do petróleo constantemente até ao ano de 2011. Ninguém sabe o que entretanto poderá acontecer à Humanidade dele absolutamente dependente.

De momento, sabemos todos, sim, que a indignação a que temos direito poderá começar a obscurecer a visão dos caminhos que se lhe apresentam, na difícil encruzilhada de uma recuperação possível. E seguir pelas pistas erradas é não chegar à salvação desejada.

Por exemplo, dizem os sábios da matéria que, se enveredamos pelo caminho da espiral inflaccionária, ficaremos à beira do precipício, como na crise do petróleo dos anos 70, de má memória.

Por outro lado, até que ponto conseguiremos apertar o cinto, sem correr o risco de morrer à míngua?

Neste contexto, se alguém aparecer por aí a gritar, a plenos pulmões, que «há petróleo no Beato», isso não passará de uma comédia de muito mau gosto. E no entanto, já apareceu ao largo da Figueira da Foz, coisa que não deu para impressionar ninguém. Os combustíveis fósseis, infelizmente, não querem nada connosco.

E agora, com a batata, o cereal e o peixe, (a base da nossa antiga e saudável alimentação obtida ao pé da porta) a serem importados, na quase totalidade, que poderemos comer dentro em breve, se não produzirmos o suficiente para comprar o petróleo cada vez mais caro e de que dependemos para tudo?

Mas produzir o quê?

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