segunda-feira, 16 de junho de 2008

O BLOQUEIO, O CÓDIGO E OUTRAS COISAS

Camionistas, peregrinos e futebol

Hoje chegou às minhas mãos o artigo de um conceituado professor de Direito Penal, explicando por A+B que «bloqueios de estradas são crimes contra a segurança das comunicações, puníveis com prisão de 1 a 5 anos. As penas serão de 2 a 8 anos, quando se crie perigo para pessoas e bens.» «O Código Penal prevê ainda o lançamento de projéctil contra veículo em movimento, que é punível com prisão até um ano, se outra pena mais grave não se aplicar em função da intenção ou das consequências. Uma pedra, por exemplo, considera-se um projéctil para tal efeito.» Etc.

Fiquei convencido com a argumentação apresentada pelo senhor especialista. Só não compreendi porque é que o Código Penal nem sempre foi, ou nem sempre é cumprido como determina a Constituição da República. Será porque acabaram as denúncias em papel selado e as autoridades policiais fecham os olhos à investigação? Será porque o M. P. não quer acusar a partir das imagens televisivas? Ou será porque os senhores juízes estão de férias ou afogados em papelada? Será que, apesar da tão propalada independência da Justiça, estará ela à espera de alguma ordem do governo? Ou será que o Código Penal é apenas mais um livro para estudar e fazer currículo?

Algo me escapa, na minha enorme ignorância. Já pensei que, desta vez, terá pesado na opção do não cumprimento o facto de se tratar de camionistas empresários, donos profissionais permanentes das estadas do país (alcatrão e bermas), e não apenas, no dia 13 de Junho e adjacentes. Ali são eles quem manda durante todo o ano. Deu para ver, nesta ameaça de três ou quatro dias, que têm muito peso e podem até fechar a Nação, não apenas a Auto Palmela e os hipermercados.

Ora isso não acontece com os peregrinos de Fátima que não são donos de coisa nenhuma, a não ser da sua fé, caminham rezando pelas bermas de todas as estradas do País nas vésperas do 13 de Maio e do 13 de Outubro, mas sem entupir o alcatrão, sem fazer bloqueios nem impedir os outros cidadãos de passar, de carro ou a pé. Mesmo assim, de quando em vez, lá são atropelados alguns, sem culpa nenhuma, por entre pai- nossos e ave-marias. Irão para o Céu, com toda a certeza, o que não acontecerá com os camionistas que causam o Inferno na Terra.

Verdade seja dita que os peregrinos não estão, nessas alturas, directamente dependentes do gasóleo, mas apenas da água que os vai refrescando ao longo do caminho. Já no regresso da peregrinação a coisa é diferente. E a partir de agora, cada vez se tornará mais caro ir a Fátima., com o petróleo sempre a subir de preço, mesmo para quem vai a pé e descalço. É que a subida do preço do petróleo faz aumentar também o preço de tudo o resto, sem fazer qualquer distinção entre camionistas ou peregrinos, tanto faz que os primeiros protestem por aí, a 13 de Junho, e os segundos rezem por acolá, a 13 de Maio ou a 13 de Outubro.

Acho que o governo agiu sensatamente, dialogando com os camionistas, em vez de entrar a matar, como pretendiam, por motivos diversos, os politiqueiros radicais do nosso espectro político. A trolha dá sempre mau resultado e, mesmo quando necessária e legal, deve ser utilizada com conta, peso e medida. Mas por pouco não assistimos às cargas policiais que alguns, comodamente sentados no sofá, já pediam ardentemente, enquanto desfiavam as contas do terço ou viam as últimas cenas das telenovelas dos nossos canais de imitação. Trata-se de espectáculos sempre dignos de ver na TV, com boa imagem e a salvo dos jactos de água, dos gases lacrimogéneos e das bordoadas de circunstância.

Portugal perdeu entretanto com a Suíça, por causa do árbitro ou da grande «vaca» dos helvéticos e agora dizem para aí alguns, a contra gosto, que o jogo era a feijões. De qualquer forma, o Zé-Povinho ficou mais amargurado com esta derrota que com o bloqueio dos camionistas e não tenho dúvida nenhuma de que iria em peregrinação a Fátima, mesmo a pé, se houvesse a garantia de que a equipa viesse a ganhar o Euro 2008 ou mesmo apenas passasse os quartos de final.

A ser assim, ficariam até esquecidos, estou seguro, todos os contratempos da vida, aumento de preço do petróleo incluído.

Mas se Portugal perder a partida dos quartos de final, Deus nos acuda! Os jogadores e o seleccionador passarão, num ápice, de bestiais a bestas. Os camionistas afogarão as suas mágoas nas tascas da berma das estradas, estorvando quem circula, os peregrinos terão que aumentar a sua penitência, até em Outubro...e não haverá Código Penal que nos valha. Assim como assim, pelo que se viu, já não vale de muito. Só é aplicado às segundas, quartas e sextas...fora das estradas e quando não chove.

«Chacun se governement». Para onde caminha o nosso Estado de Direito? Eu não sei, pá! E o Governo que se ponha a pau, que o Euro 2008 vai acabar e o preço do petróleo não para de subir...

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