segunda-feira, 20 de julho de 2009

DISCUTIR, DISCUTIR SEMPRE

DISCUTIR, DISCUTIR SEMPRE

Nunca decidir ou fazer algo, sem discussão…

O dever de discutir todos os grandes temas nacionais na Assembleia da República, e os outros, grandes ou pequenos, nas instâncias decisórias, nas Assembleias Municipais, nos areópagos públicos e privados que povoam o país, é tema que não está consignado na constituição com pontos e vírgulas, mas é aparentemente consensual entre todos os portugueses, depois do 25 de Abril. Os resultados da discussão é que nem sempre são os melhores.
Na verdade, em Portugal, os extremos tocam-se sempre, nos temas mais variados, e este não é excepção: enquanto uns dizem que da discussão nasce a luz, outros afirmam que dela sai a confusão. De uma forma ou de outra, discute-se tudo, por tudo e por nada, e nunca se conclui nada, de tudo o que se discutiu. De tal forma é improfícua a discussão permanente, superficialmente explorada e alongada, na vida corrente, desde a política à administração pública, à educação, à justiça e aos media, que uma boa parte da população está convencida de que não se discute nada, a sério! Este convencimento resulta da falta de resultados dessas eternas discussões, da ausência de obra, finalmente, e talvez por isso mesmo, da premissa de que o calado é o melhor, de que Salazar falava pouco e fazia o que queria sem chatices…Teria sido daí, e da intervenção pidesca de quase cinquenta anos, que o português interiorizou que não valia a pena ir às assembleias ou cooperar nos deveres cívicos mais comezinhos e passar antes o seu precioso tempo em discussões bizantinas mesquinhas, sem objectivo? Também não creio.
Ultimamente verifica-se certo desencanto provocatório sobre este tema, com alguns a acusarem até o governo maioritário de autoritarismo e de não discutir nada, geralmente os mesmos que não intervêm na vida política da nação nem apresentam ideias nem soluções para os problemas. Pensam que, por estarem de fora das rédeas do poder, não têm responsabilidades, só possuem direitos inalienáveis a reclamar, nunca têm deveres a cumprir para com a sociedade, nem quaisquer responsabilidades como cidadãos honestos e intervenientes, ou sequer no mínimo, como votantes!
Dizia um digno comentarista da nossa imprensa diária, que são muitas as experiências frustrantes de cidadãos que se vêem rejeitados quando tentam discutir os problemas do País nas instâncias partidárias. Ficam fora porque não há tempo para discutir ideias. Passa sempre à frente a urgência de tratar da atribuição de um qualquer lugar público.
Sem entrar em mais pormenores, nem fazer ilações sobre o resto do artigo, julgo que está aqui o cerne da questão.
O mesmo cidadão que discute tudo numa superficialidade (ou num excesso de formalismo…) que impede qualquer conclusão, censura asperamente deputados e políticos em geral, porque passam o tempo a discutir, sem fazer nada, e adora os governantes, autarcas ou administradores que mostram obra feita sem discussões, que executam tarefas sem mas nem meio mas, sejam eles honestos ou corruptos…mas não tolera ser posto de lado quando a coisa toca no seu interesse particular!
O mesmo cidadão que, desde a primeira constituição de 1820 até aos dias de hoje lutou arduamente por um emprego público, tantas vezes de favor, que nunca se interessou pela discussão séria e profunda da coisa pública, que votava nos terra tenentes da Monarquia que abriam a pipa de tinto, e depois nos espertalhões da República que ofereciam bacalhau a pataco, manteve-se calado e subserviente durante quase cinquenta anos, quando um professor inteligente e astuto decidiu por eles, acabando de vez com a discussão improfícua, destruidora e retrógrada onde o país fora mergulhado.
Esse mesmo cidadão, depois do 25 de Abril parcialmente recuperado para a democracia, insurge-se agora contra um político que escolhe outro candidato para um lugar que tinha em mira, sem discutir, sem o consultar! Será exagero dizer que o resto da coisa pública pouco lhe interessa?
O mesmo cidadão português que, em geral, não lê, não estuda, nem quer saber de programas político partidários para nada, simpatiza com algumas caretas que, através da televisão, dizem frases que lhe vão no goto, ou abomina outras que molestam os seus interesses mais directos. É tudo. Odeia que se gaste o dinheiro dos impostos que paga (e que evade, se consegue) em grandes cartazes de encher o olho a tentar convencê-lo, a ele que já tudo sabe, que despreza figuras e conteúdos, que manda tudo à fava!
O mesmo cidadão queixa-se de que os partidos são uma choldra, não quer saber deles para nada, nem da própria militância partidária que, medida em números, é uma ninharia, comparada com a dos sócios do Benfica! Sabe que o Futebol arregimenta gente sem qualquer dificuldade (ao contrário da política que necessita de um bom isco), que origina discussões sem fim, a cada canto, compra bilhetes caros mesmo sem ter pão para a família, adquire camisolas e bugigangas do seu clube, faz propaganda delas aos descamisados, gosta dos seus ídolos, insulta os árbitros e, finalmente, dá popularidade e serve de trampolim aos que desejam trepar na política e depois não lhe ligam nenhuma…
Quer lá saber o cidadão português da discussão política séria, para alguma coisa, ele que adora a fofoca, que tudo sabe, que tudo discute, que tudo critica! Tomara ele que os políticos o libertassem até da pepineira das eleições! A maioria já nem vota, apesar dos apelos de todas as cores de que a imprensa se faz eco…
O cidadão português é, em si mesmo, uma contradição pura. Está dito. Nas zonas rurais do norte, as gentes resumem, simplesmente que «a malta só quer putas e vinho verde»!
E agora, neste contexto, aparece a bomba do senhor comentarista: o contributo para o debate político lançado com assinaturas de 25 intelectuais traz um alerta necessário. Nas campanhas eleitorais aposta-se muito mais no marketing do que no esclarecimento.
Grande descoberta a dele e a desses maduros, após trinta e cinco anos de regime democrático! Por causa dum simples boato, o Almirante Reis deu um tiro na testa e teve direito a ruas e avenidas por esse país fora…
Mas a transformação da maneira de ser superficial e instintiva do cidadão para uma forma mais cívica, participativa e responsável de estar na política e na vida corrente, não se faz com alertas pomposos de circunstância dos sábios de sofá, mas com intervenções eficazes, com a colaboração directa e persistente dos mais evoluídos, com uma educação continuada dos deveres de cidadania diariamente cultivada por todos, desde os bancos da primária! Demorará tempo. E estará a ser feita? Talvez não…
A responsabilidade é de todos nós, pais, amigos, profissionais. Mas a dos professores, nesta matéria, é tremenda. E a dos média, por muito que disfarcem, não lhe fica atrás.
Há muitos paliativos, mesmo bem intencionados, mas não vão a parte nenhuma.

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