domingo, 4 de outubro de 2009

ESCUTAS, TABUS E PARVOÍCES

A politiqueira, no seu melhor...

Não sei se existem escutas ou não, a quem quer que seja. Mas num país onde as escutas com ordem judicial ou sem ela, são pão nosso de cada dia, seria uma estultícia pensar que alguém pode ser imune a elas, mesmo que seja o Procurador Geral da República, um Juiz ou Governante de turno ou até o Presidente da República.
Poderão todos fazer gala da sua protecção de guarda-costas, da inspecção da sua própria rede telefónica e presumíveis microfones ocultos, ou mesmo de um sistema pessoal informático inviolável, porque nada resulta, nos dias de hoje em que as escutas às fechaduras das portas se tornaram um método antiquado e definitivamente em desuso.
Vem agora o PR falar de um escuta na comitiva à Madeira, numa possível violação dos seus e-mails e de outras aberrações, num panorama nacional em que todos falam de todos a toda a hora e, pior ainda, passam boa parte do seu precioso tempo na intriga mútua, quais velhotas do soalheiro.
Fiquei perplexo com as palavras do PR, na sua comunicação ao país. Pressupunha que iria tratar-se de uma justificação justificável ou de uma acusação acusatória de verdade, e a «montanha, pariu um rato! Fazer uma comunicação ao País para dizer o que foi dito, é uma pura aberração. O País exige do Presidente a informação de factos importantes, e não temas de autêntica intriga politiqueira. Amanhã, quando o Presidente tiver algo de importante a dizer ao País, quem irá ouvi-lo ou acreditar nas suas palavras?
Imaginara, pois, como a maioria dos portugueses, um Presidente da República muito acima de toda a trapalhada jornalístico-politiqueira, a suprema reserva cívica da Nação e as dúvidas ficaram lançadas em muitos espíritos.
Imaginara-o inteligente, analisador cuidadoso, imparcial e persistente, mas vi apenas um homem obcecado e refém de ideias fixas.
Imaginara-o ainda, há dias, decidido, esclarecedor e fiquei com a sensação plena de vê-lo totalmente metido numa embrulhada da qual soube ainda fechar a sua própria saída.
Imaginara-o interessado, honesto em apresentar um cabal desmentido a um e-mail fatídico, e provas irrefutáveis a sustentar a sua hipótese de virgem ofendida e ouvi apenas suposições vagas.
Imaginara-o, pois, a lembrar factos concretos, e notei que passava ao lado deles, a deixar simplesmente suspeitas no ar…
Imaginara-o, ainda que por momentos, a assumir eventuais falhas do sistema informático da Presidência da República, de que é o único responsável, e tratou de desviar as culpas a terceiros.
Imaginara-o, finalmente, sempre isento e austero, acima de escutas de meia tigela, de ditos, parvoíces, recados, conselhos, receitas, boatos, conversas ou intrigas que circulam na imprensa do dia-a-dia, e eis que, trinta e cinco anos após o 25 de Abril, surge na berlinda uma personalidade discutível.
Não imaginara sequer, no princípio da década de 90, quando vi na Imprensa escrita e na TV o Primeiro-Ministro em Exercício, metido na água até à cintura na sua praia algarvia preferida, rodeado de não sei quantos seguranças, ou o carro oficial rodeado de gorilas correndo, à americana, que o futuro Presidente conservasse ainda os mesmos complexos, os mesmos tabus, como se fossem fantasmas intransponíveis.
Não imaginara um Presidente refém de obstáculos interiores, de preconceitos de natureza político-religiosa.
Não imaginara um Presidente da República calado ou de riso forçado, ensimesmado, macambúzio, sempre rodeado de protectores, com medo de hipotéticas forças de bloqueio, julgando-se vilmente cercado por uma corja de malvados, espiões, violadores de e-mails, e não sei que mais.
Não imaginara, finalmente, ver um Presidente da República como factor de desestabilização política do seu próprio país, numa época de dificuldades em que a congregação de esforços é essencial.
Apesar de tudo, não creio ainda que o Presidente tenha concorrido para isso, de forma intencional determinada. Fê-lo por inépcia, vítima dos seus próprios fantasmas. Mas será só isso? Estarei a ser ingénuo?
No mínimo, não soube agir politicamente, nem no tempo, nem nos objectivos, nem nas razões expostas. Errou em toda a linha.
De qualquer forma, o país não merecia mais esta novela politiqueira que alguns ainda pretendem ampliar alegremente, com adição de novos episódios. Já cheira mal…

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