Ronaldo em alta
De vez em quando, mesmo sem querer, descubro coisas interessantes. Por exemplo, interessante, sob um dado ponto de vista, é o que se passa em determinadas zonas das margens alcantiladas do IC19, cujas barreiras inclinadas estão pejadas de couves, batatas, cebolas e favas, tratadas e humedecidas humildemente a regador, por imigrantes que tentam sobreviver nesta selva que é a nossa sociedade egoísta.
A Câmara da Amadora fecha os olhos, nalguns casos até agradece a estes agricultores ocasionais, cujas culturas, além de servirem para lhes matar a fome, dão um tom verde e menos agreste à terra seca das encostas. De manhã ou à tardinha, sobretudo nos fins-de-semana, encosta acima, encosta abaixo, eles lá se vão equilibrando sem cair, de enxada ou regador na mão, indiferentes ao trânsito ruidoso e infecto que circula ali pertinho, a unas dezenas de metros, apenas.
É a única fixação à terra que conheço, em Portugal, e a custo zero. Noutros pontos do país, gastam-se milhões, e o resultado é que é mesmo zero!
Os sábios economistas, do alto das suas cátedras ou do remanso dos seus sofás acolchoados, bem recomendam mais exportações, como o único meio de resolver todos os problemas da crise, e até das várias crises culpadas do atraso do país.
Dizem que o País deve…o Estado deve…os portugueses devem… Que ninguém os ouve… ninguém faz nada…ninguém trabalha…
O certo é que também eles não dizem nada de novo, porque aquilo que apregoam é voz corrente desde séculos a esta parte. Já ninguém liga nenhuma a essa lenga-lenga.
O que interessaria eventualmente às gentes mais honestas e preocupadas seria saber porque apenas uns quantos imigrantes desesperados se agarram ao cabo da enxada para não morrer de fome, ou porque os portugueses de gema preferem mesmo morrer de fome ou viver à pendura, enquanto os sábios economistas morrem de tédio…
Todos sem excepção olham, nas primeiras páginas, as fotos do Ronaldo e dos seus milhões, apalpam disfarçadamente, nos bolsos, o coiro das carteiras vazias e fazem um esgar de falso sorriso, na esperança de que um dia, a sorte grande lhes bata à porta…
Bem vistas as coisas, talvez a sorte grande do país estivesse na exportação de Ronaldos, Figos, Mourinhos, Quaresmas, Futres, Manuel Josés, e tantos outros, em quantidades industriais e não de casos isolados, de excepções contadas, de ocasional mercadoria de comércio puro. Mas os portugueses não têm mesmo jeito nenhum para a grande indústria, coisa que exige iniciativa, educação, matemática, planeamento e investimento a longo prazo, trabalho, persistência, marketing, etc. Assim, só com uma dúzia de craques, não chega…
Aposto que os sábios economistas ainda não pensaram nessa solução. Eles julgam que dar pontapés na bola é coisa de maltrapilhos incultos, e ganhar milhões é apenas uma questão de sorte. Não é. Como em tudo, para ganhar milhões no futebol, é preciso saber muito, na teoria e na prática dessa arte. É mister sair da bancada e trabalhar no relvado!
Portugal, portanto, como disse, só sairá desta crise, e das outras todas de que falam os tais treinadores de bancada, se conseguir ser bom em qualquer coisa rentável, vendável e exportável, nem que seja a pontapear o esférico com qualidade, em quantidades industriais!
Ora, especializando-se apenas na maldição de tudo e todos, no envio de bocas pela imprensa fofoqueira, ou de recados triviais aos papalvos, nunca chegará a parte nenhuma. Sou eu que o digo, e também muita gente honesta que de economia e de futebol não percebe nada!
Digo também que não basta que os politiqueiros de serviço se matem a discursar para o «pagode» ou a construir estádios de luxo. É preciso interessar o povo, na execução do próprio jogo! Talvez mesmo o mais difícil será interessar o povo na execução, arrastá-lo a colaborar directamente naquilo que ele tanto gosta de criticar.
O Ronaldo, o Mourinho e mais uns quantos agora em alta, com o seu êxito e o seu exemplo, entusiasmam apenas o público nacional, mas apenas a bater palmas.
Mas não é apenas com aplausos ou apupos que se consegue tirar a nossa população do marasmo onde atavicamente se mantém, de há trezentos anos a esta parte. Nem é só com recados ou conselhos de circunstância que se acaba com a queda das exportações e outras desgraças.
Como diria o impagável La Palisse: sem os portugueses, Portugal nunca irá a parte nenhuma!
Sem comentários:
Enviar um comentário