Até tu, meu filho…
A notícia de choque que apareceu nos jornais desta manhã, referindo «despesas no Supremo Tribunal de Justiça sem controlo» e «administrador acusado de 29 crimes», dá que pensar.
Até aqui, eram os políticos, os autarcas, os construtores civis e os grandes criminosos de colarinho branco que ocupavam as primeiras páginas da imprensa nacional, entremeados aqui e ali pelos relatos das acções dos pedófilos, dos assaltantes das bombas de gasolina, dos ladrões de trazer por casa.
Os comentaristas, os juristas, os treinadores de bancada e os pés descalços desesperados juravam, em altos berros, que o mal do país estava nessa corja…
Mas já uma letra da música pimba dizia que afinal havia outra!
E contudo, já nada é para admirar. A História ensina-nos que a natureza humana tem variantes que escapam ao mais pintado. Há dois mil anos, César exclamava, atónito ante os conjurados cujas punhaladas iriam vitimá-lo, entre os quais se encontrava o seu próprio filho adoptivo:
-Até tu, Brutus, meu filho!
Mas para quê buscar exemplos tão longínquos?
Há algum tempo que a Justiça dava mostras de algum descontrolo, nas demoras, nos erros cada vez mais frequentes, no excesso de formalismo, num corporativismo inaceitável para uma Instituição de Topo da República. Faltava apenas a cereja em cima do bolo, o peculato vulgar intra muros.
A notícia em letra gorda de primeira página, do D.N. diz que «Antigo administrador do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) foi acusado pelo Ministério Público de se ter apropriado de 344 mil euros à custa de compras pessoais pagas pelo STJ e pelo Gabinete do Representante da República nos Açores.»
Mais grave, porém, não são os crimes do administrador, mas é o facto de se tratar de um jurista escolhido por um Presidente do Supremo Tribunal de Justiça e da sua inteira confiança, tendo recebido até um louvor pelo seu desempenho, publicado no Diário da República. As suas aquisições foram aprovadas e autorizadas, de acordo com a lei, pelo Conselho Administrativo do STJ, órgão que integra o Presidente e três juízes conselheiros, a quem competia controlar as contas.
No mínimo, se não se provar serem coniventes com o criminoso nas aquisições feitas, o que sinceramente espero que seja provado, serão meros incompetentes.
A PJ parece ter sido extremamente eficaz na sua investigação que não vou aqui descrever, embora apresente alguns aspectos caricatos quanto aos objectos de roubo e à forma como foram efectuados, ludibriando os «confiantes» controladores oficiosos do Continente e dos Açores…
O Ministério Público, tratando-se de um assunto tão melindroso envolvendo oficiais do mesmo ofício, desculpa-os, pois, com a confiança plena que o criminoso lhes merecia…
Resta agora esperar para ver o filme completo.
Como a nossa Justiça é lenta de morrer, teremos bastante que esperar.
Para já, aqui fica mais uma aberração, se não quisermos chamar-lhe outra coisa mais feia…Dirão os bem intencionados, desvalorizando a situação, que no melhor pano cai a nódoa. Ou então, que atire a primeira pedra quem for isento de pecado…
Mas esta vida está cheia de desenganos, como a História nos ensina. Referi o caso da morte de César às mãos do filho adoptivo e de senadores, os mais altos dignitários da República Romana. É facto histórico comprovado e conhecido de meio mundo, mas poderia citar muitos outros em que supremos poderes, em todas as nações, ao longo de milénios, mancharam as mãos, em benefício dos seus próprios interesses.
Por que carga de água Portugal deveria escapar à regra?
Dirão, os mais honestos, que é triste e nada dignificante a notícia saída em parangona no D.N. de hoje, enquanto a maioria dos portugueses se limitará, pura e simplesmente, a encolher os ombros de indiferença.
Na verdade, trinta e cinco anos depois do 25 de Abril, «lá vamos cantando e rindo, levados, levados sim…»
Quem tal diria, nessa altura?
Só faltava mais esta!
Sem comentários:
Enviar um comentário