terça-feira, 6 de outubro de 2009

COMEMORAÇÔES ÀS AVESSAS


A República não idealizada

Quando uns quantos idealistas, descontentes com a situação do País, nos estertores da Monarquia, conseguiram implantar a República, em 5 de Outubro de 1910, estavam longe de imaginar o que viria a seguir.
Efectivamente, o regime imposto aos portugueses atravessaria numerosas vicissitudes, sobretudo de natureza social, política e económica, mas nunca esteve verdadeiramente em causa a sua própria sobrevivência, mesmo após as investidas de Paiva Couceiro, ou na época do Estado Novo em que as liberdades fundamentais foram cerceadas.
Recuperados, depois do 25 de Abril, os ideais democráticos abafados durante 48 anos, estabelecidos laços económicos, políticos e sociais duradoiros com os restantes países da CE, parecia que a Nova República tinha encontrado o caminho para uma fase de estabilidade governativa que a Primeira República desconheceu, por razões de vária ordem. Não há dúvida de que o caminho percorrido, nesse sentido, foi imenso.
No entanto, de vez em quando, ultrapassando a cordura e o civismo que se impõem nas naturais divergências políticas, algumas aberrações afloram, aqui e ali, nas esferas governativas da Nação, provenientes de radicalismos pessoais ou partidários, nem sempre morigerados a tempo, nem sempre ultrapassados, como deveriam sê-lo, pelos superiores interesses nacionais. As intrigas postas a correr por uma imprensa ávida de fofoca, ou simplesmente transformada em veículo aproveitado por partidos ou interesses pessoais, criaram, a pouco e pouco, um clima de desconfiança mútua entre os principais actores políticos e de laxismo cívico entre uma grossa fatia da população, de que é mostra a abstenção cada vez maior, nas urnas onde se escolhem os responsáveis administrativos e governativos da Nação.
Ontem, mais uma vez, desde o 25 de Abril, se comemorou a data da implantação da República. Sempre de forma pífia, cada vez mais pífia a cada ano que passa. Apesar das enormes dificuldades porque passou o regime, durante quase um século, os idealistas de 1910 não mereciam isto.
Como num jogo de capelinhas teimosas e envergonhadas, Presidência da República, Governo e Câmara de Lisboa resolveram fingir, numa comemoração sem brilho, sem patriotismo, sem alegria, mesmo sem grande espírito cívico. Uma birra pura e simples impediu a comemoração tradicional no local da própria proclamação da República (mesmo com justificação duvidosa), com a presença do Presidente. Uma birra pura e simples impediu o Presidente de dizer duas palavras de apelo ao civismo e ao patriotismo dos portugueses, sem farpas, recados ou segundos sentidos encobertos. E manteve calados, num acto sem brilho, o Chefe de Governo e o Presidente da Autarquia. Na verdade, não eram exigidas palavras de apologia ou crítica partidária, mas apenas de enaltecimento do facto a comemorar, e das qualidades cívicas dos seus autores e do povo português.
Pelo contrário, ocorreu em frente do Palácio de Belém, uma parada reduzida da Guarda Nacional Republicana pretendendo render homenagem a uma bandeira que teimosamente caiu três vezes, durante o desajustado discurso do Presidente, no qual não faltaram alguns recados disfarçados aos seus eventuais inimigos políticos de estimação.
Também em frente ao Palácio Municipal, onde o símbolo da República se manteve hasteado, uma ridícula parada de bombeiros fez a guarda de honra, com a presença do Primeiro-Ministro e do Presidente da Câmara em exercício, escutando o discurso pindérico de uma vereadora e Presidente da Assembleia Municipal.
Episódios tristes (uma autêntica comemoração às avessas), talvez resultantes de uma zanga politiqueira que colocou os intérpretes voltados do avesso, mas que a maioria dos cidadãos desaprova. Tenho a sensação de que eles, se pudessem, apresentariam um cartão amarelo aos actores políticos desta peça em dois actos, na qual os superiores interesses da Nação foram subvertidos aos meros interesses pessoais e partidários, sem respeito pelos eleitores.
Os Pais da República, se viessem de novo a este mundo, sentiriam vergonha pela fraca comemoração dos ideais republicanos feita pelos intérpretes de serviço, os mesmos que tanto se fartam de citá-los ao Povo, mas que tantas dificuldades levantam ao seu cumprimento.
Algo falta a estes responsáveis de uma República não idealizada pelos seus fundadores, quando a proclamaram. Talvez necessitem um pouco mais de bom senso e de civismo puro, para se distanciarem das tricas, dos mexericos, das intrigas politiqueiras em que estes logo se afundaram, maus exemplos que infelizmente continuam a ser moda, quase cem anos depois…
Viva a República!

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