Em Portugal há um hábito bem cimentado de dizer mal de tudo e de todos, de tal modo que já ninguém liga muito ao facto, mesmo que se trate de gente responsável. Agora está na moda dizer que os políticos são medíocres e que a culpa de todos os males de que o país sofre lhes pertence sem apelo nem agravo. Assim é em boa parte, mas não só, e isso não é novidade nenhuma para ninguém.
Mas também é certo que, desde os tempos da consolidação da nacionalidade, o português, sempre que perdia a coragem e não conseguia vencer os inimigos pela força, se fazia valente da língua para fora. Daí deve ter nascido a mania de certas mães, nalgumas zonas menos privilegiadas da fortuna e da educação, chamarem filhos da puta aos próprios filhos que se lhes escapavam da mão. Ora, nem eles nem elas, no íntimo, se julgaram isso, durante a ocorrência…
Assim, comparado com esta e outras especialidades, chamar medíocres aos políticos é quase um elogio, nos tempos que correm. Ouvem-se frequentemente epítetos bem mais soezes e mortíferos.
Por outro lado, também alguns comentaristas sublinham, com certa razão, que os políticos estão mal pagos, pois um presidente da câmara ganha menos do que um gerente bancário, um ministro ganha uma fracção do salário do gestor de empresas que tutela.
Acrescentam ainda que um bom político deve ser bem pago, caso contrário a política só atrairá os medíocres. Um bom político honesto bem pago é milhares de vezes mais barato do que um mau político que tem da ética uma percepção variável e relativa.
O diagnóstico parece bem feito, mas a terapêutica sugerida é muito discutível. Um bom político deve ser bem pago, tal como um bom funcionário, um bom empresário, ou um bom cavador de enxada, não apenas porque é político!
Sucede ainda que os políticos são uma incógnita, tal como os melões, só se conhecem depois de abertos e, sendo assim, nem o Bandarra se atreveria a sugerir um prémio antecipado a um político que acabasse de chegar a um posto importante. Ainda por cima, as consequências de nos sair na rifa um mau político são bem piores que as de termos um melão verde, à sobremesa.
Com bons ordenados ou com maus ordenados, não escaparíamos nunca à lotaria do bom ou do mau político. E por que carga de água um político com bom salário teria que ser obrigatoriamente honesto e eficiente? O mundo está cheio de endinheirados altamente desonestos e ociosos, e de pobretanas cumpridores exemplares, incapazes de roubar um tostão a quem quer que seja. Existem, pois, os mais diversos anacronismos naquilo que se lê ou se ouve por aí.
Por exemplo, em todas as profissões, por mais respeitáveis que sejam, há bons e maus profissionais (políticos incluídos), gente honesta ou afecta a falcatruas, pessoas sérias ou mentirosas, etc., etc. Ora os políticos estão muitas vezes na berlinda porque são os únicos que, por via de eleições, dizem aos cidadãos o que pensam fazer, correndo assim o risco de não conseguirem realizá-lo, quer por incapacidade própria, quer por condicionalismos que não conseguem prever ou controlar.
O mesmo conhecido articulista diz ainda, fazendo-se eco dum sentimento generalizado, que o que degrada a democracia é haver políticos que contratam com privados negócios chorudos e pouco tempo após cessarem funções públicas vão ganhar fortunas e enriquecer ao serviço desses grupos.
É evidente, mas não dou o exclusivo desses malabarismos apenas aos políticos, realmente a face visível do iceberg. Estes são triviais no tecido social português, a partir de certo nível social, nos altos cargos públicos ou privados, tantas vezes difíceis de separar.
Tal como o hábito não faz o monge, não é o salário que faz o político! Indo mais longe, afirmarei mesmo, sem receio de errar, que não é o salário que faz homens honestos ou ladrões. Um bom ordenado poderá disfarçar muitas vigarices, tal como o hábito serviu a muitos monges para enganar o próximo, o que certamente deu origem ao ditado popular…
Pelo contrário, certo é que o dinheiro sempre foi uma isca que atraiu os cidadãos para o anzol, seja na Política, na Magistratura, na Imprensa, até na Agricultura de Subsistência. O simples cavador de enxada é atraído pela isca, tal como o mero funcionário, o gerente bancário, o grande empresário, o autarca, o deputado, o representante da governação. Onde a isca do dinheiro não funciona, sobra a importância do cargo, suficiente para abrir muitas portas e trazer inúmeras vantagens presentes ou futuras. As prisões estão cheias daqueles que comeram a isca do dinheiro, de forma ilícita e gananciosa, porque a natureza humana refinou estes processos ao longo de séculos, tornando a vida cheia de armadilhas, a maior das quais é talvez a ambição coadjuvada pelo supremo pecado da inveja.
O que não dignifica a democracia, diz por fim o articulista, é haver deputados no Parlamento a exercer paralelamente tantos cargos e a acumular tantas avenças que até parecem solicitadores de interesses privados nos corredores do poder.
É outra verdade indiscutível, nua e crua. Mas como poderiam os senhores deputados da nação terem nascido ou serem diferentes do resto dos cidadãos comuns que gostam de acumular, cada um ao seu nível, o seu tachozito? Eu gostaria de saber.
Não resisto a contar a história de um militar medíocre, pobre diabo que se julgava o máximo e com direito a subir de posto. Um dia, o comandante, para animá-lo, já que não passava da cepa torta, disse-lhe uma palavra de amável condescendência, por qualquer insignificância que havia executado e não valia um caracol. Logo, todo inchado, o tenente que ambicionava a promoção, retorquiu intencional e mesureiro:
-É desta massa que se fazem os capitães, meu general!
-Pois, quando houver capitães de massa, tu serás um deles, respondeu este ironicamente.
A historieta mostra bem que a educação, o civismo e o profissionalismo são muitas vezes trocados pela subserviência e a ratice, para a obtenção de objectivos, e é natural que a nossa democracia tenha que passar por maus bocados, durante muitos anos mais, com bons ou com maus políticos.
A questão dos ordenados e da honestidade destes, em Portugal, não é mais que o pano de fundo destas e de tantas outras misérias em que o género humano é fértil…e nem sequer isso é uma originalidade nossa. O problema é difícil, impossível mesmo de resolver a curto prazo. Para mal de todos os portugueses.
Facto indesmentível é que na Política, como em todas as profissões, os bons ordenados se conquistam com inteligência, trabalho e dedicação, embora também, muitas vezes, por vias moralmente menos correctas. Certo é igualmente que a honestidade não se fabrica com dinheiro.
Querer acelerar e cimentar a moralidade pública, e conquistar a honestidade dos políticos (ou de quem quer que seja) com dinheiro, é um puro contra senso, é pior do que pregar no deserto.
De boas intenções está o mundo cheio…