Caros concidadãos:
Há três meses que não escrevo duas linhas no blogue.
Uma hora atrás, recém-chegado do consultório médico e mais deprimido ainda pelas patacoadas lidas na sala de espera, fui tentado a escrever o meu próprio Discurso do Estado da Nação e mandar algumas sentenças ao pagode, como agora é o costume de qualquer gato-sapato que se preze, quando me lembrei de que a República era mais velha que eu, vinte e duas primaveras, devia saber muito mais coisas e não precisava dos meus conselhos para nada.
Lá mais para diante, vão ter lugar, efectivamente, as comemorações dos cem anos da República, o que não impede que, antes disso, vá comemorar as bodas de ouro do meu casamento, coisa rara nos dias de hoje, se não houver pelo meio, os tropeços que a idade e outras mazelas nos mandam, como sentenças que não perdoam. Serão comemoradas com a parcimónia, a sobriedade, o carinho e a alegria possíveis, no convívio da família, gente honrada, trabalhadora, em que os mais velhos são credores de bons exemplos aos mais novos, a geração dos portugueses de amanhã.
O Estado da Nação é calamitoso, no seu centenário mas, apesar disso, devemos comemorá-lo com o brilhantismo de que formos capazes. A República merece. Ela não tem culpa dos desvarios dos seus filhos que, como crianças crescidas na fase de transição para a adolescência, são incapazes de assumir as culpas das suas travessuras, tratando de fazer crer que os culpados são sempre os outros. Os filhos da República não foram capazes de crescer mentalmente, nestes cem anos, não obstante o analfabetismo quase total já ser coisa do passado.
Lembro-me perfeitamente, apesar da idade provecta, das travessuras da minha turma do liceu e dos inquéritos sempre inconclusivos que vinham depois, e só serviam para nos fazer sorrir, tal como hoje acontece nos grandes desvarios da vida nacional. Como podem ver, o mal vem de longe…Mas a comparação termina aqui. A vergonha acabava também por aparecer mais tarde, e quase todos a tínhamos como um castigo merecido. Ainda hoje sinto pena das vítimas de algumas dessas travessuras feitas há sessenta e tal anos, apesar de verdadeiramente inofensivas. Ora, como hoje parece que já não há vergonha na cara de ninguém, o estado calamitoso da nação não tem autores porque, lá diz o velho ditado popular, quem não tem vergonha, todo o mundo é seu!
Receitaram-me, os médicos, uma terapêutica de choque, com o único objectivo de prolongar a vida por mais algum tempo, já que a cura é impossível. Vou colaborar com eles, sabendo que o fim da linha está cada vez mais perto. Enquanto há vida há esperança.
E, no entanto, uma grande tristeza me invade, não pelos meus problemas pessoais, mas pela descrença de alguns dos nossos republicanos que não acreditam nem em si próprios e, não contentes com isso, tudo fazem para minar o moral dos restantes e denegrir o país perante estranhos. Assim, com gente dessa que só se compraz em destruir, a nação não irá longe. Paralelamente, os partidos e a imprensa entretêm-se em jogos puramente politiqueiros ou na coscuvilhice mesquinha, numa época de grande crise nacional, ajudados por uma Justiça lenta, ineficaz, cada vez menos independente, cada vez menos ao serviço dos cidadãos, cada vez mais preocupada com o seu ego. Parece que todas estas personagens, defendendo ao extremo as suas teimosias ou interesses, privados ou corporativos, não desejam entender-se e colaborar na terapêutica de que a nação tanto precisa.
A maioria dos cidadãos, justificadamente, vai perdendo a sua confiança nessa gente. Mas, por sua vez, também não se esforça por aí além e pratica até, a nível menor, os mesmos vícios e desmandos daqueles que deveriam dar o exemplo...Como em épocas remotas, os místicos esperam um milagre, ou aguardam pacientemente a chegada de um qualquer D. Sebastião, enquanto outros, menos imaginativos, anseiam pelo regresso de novo Marquês de Pombal, ou até de um segundo Salazar, para acabar com o regabofe dessa rapaziada fina; desejariam impor já e pela força a tal terapêutica de choque necessária que todos os portugueses exigem mas que nenhum dos maiorais se atreve a fazer aplicar, porque os minorais não fazem a mínima tenção de cumprir...
Cobardes! São todos uns cobardes!
Todos, não!!!
Se fossem como eu, aceitavam humildemente o remédio difícil de tomar, com força de vontade e sorriso nos lábios, e não perdiam tempo em discussões estéreis. Poderia recomendar-lhes, sobretudo, que não fossem apenas derrotistas ou más-línguas, que abdicassem das suas prerrogativas e mordomias, que se deixassem de birras e se portassem como homenzinhos, que fizessem algo, por fim que tivessem esperança em melhores dias… mas é lá com eles.
O certo é que nunca vi um doente desesperado de espírito melhorar ou curar-se fisicamente. Por isso, caros concidadãos:
Vou para a minha esperançosa terapêutica de choque, e termino o meu Discurso do Estado da Nação dizendo simplesmente adeus a todos, tristemente, porque sinto que as minhas palavras serão metidas em saco roto…
Aos numerosos irresponsáveis do nosso país sugiro que, ao menos, evitem brindes com whisky e regressem ao tradicional mata-bicho dos tempos de penúria. Desejo-lhes, com sinceros votos de regeneração a curto prazo,
-Saúde e bichas! *
*Para quem não saiba, bichas são as lombrigas, afugentadas provavelmente com um cálice de bagaceira, tomado antes do pequeno-almoço, no antigamente…)
Uma hora atrás, recém-chegado do consultório médico e mais deprimido ainda pelas patacoadas lidas na sala de espera, fui tentado a escrever o meu próprio Discurso do Estado da Nação e mandar algumas sentenças ao pagode, como agora é o costume de qualquer gato-sapato que se preze, quando me lembrei de que a República era mais velha que eu, vinte e duas primaveras, devia saber muito mais coisas e não precisava dos meus conselhos para nada.
Lá mais para diante, vão ter lugar, efectivamente, as comemorações dos cem anos da República, o que não impede que, antes disso, vá comemorar as bodas de ouro do meu casamento, coisa rara nos dias de hoje, se não houver pelo meio, os tropeços que a idade e outras mazelas nos mandam, como sentenças que não perdoam. Serão comemoradas com a parcimónia, a sobriedade, o carinho e a alegria possíveis, no convívio da família, gente honrada, trabalhadora, em que os mais velhos são credores de bons exemplos aos mais novos, a geração dos portugueses de amanhã.
O Estado da Nação é calamitoso, no seu centenário mas, apesar disso, devemos comemorá-lo com o brilhantismo de que formos capazes. A República merece. Ela não tem culpa dos desvarios dos seus filhos que, como crianças crescidas na fase de transição para a adolescência, são incapazes de assumir as culpas das suas travessuras, tratando de fazer crer que os culpados são sempre os outros. Os filhos da República não foram capazes de crescer mentalmente, nestes cem anos, não obstante o analfabetismo quase total já ser coisa do passado.
Lembro-me perfeitamente, apesar da idade provecta, das travessuras da minha turma do liceu e dos inquéritos sempre inconclusivos que vinham depois, e só serviam para nos fazer sorrir, tal como hoje acontece nos grandes desvarios da vida nacional. Como podem ver, o mal vem de longe…Mas a comparação termina aqui. A vergonha acabava também por aparecer mais tarde, e quase todos a tínhamos como um castigo merecido. Ainda hoje sinto pena das vítimas de algumas dessas travessuras feitas há sessenta e tal anos, apesar de verdadeiramente inofensivas. Ora, como hoje parece que já não há vergonha na cara de ninguém, o estado calamitoso da nação não tem autores porque, lá diz o velho ditado popular, quem não tem vergonha, todo o mundo é seu!
Receitaram-me, os médicos, uma terapêutica de choque, com o único objectivo de prolongar a vida por mais algum tempo, já que a cura é impossível. Vou colaborar com eles, sabendo que o fim da linha está cada vez mais perto. Enquanto há vida há esperança.
E, no entanto, uma grande tristeza me invade, não pelos meus problemas pessoais, mas pela descrença de alguns dos nossos republicanos que não acreditam nem em si próprios e, não contentes com isso, tudo fazem para minar o moral dos restantes e denegrir o país perante estranhos. Assim, com gente dessa que só se compraz em destruir, a nação não irá longe. Paralelamente, os partidos e a imprensa entretêm-se em jogos puramente politiqueiros ou na coscuvilhice mesquinha, numa época de grande crise nacional, ajudados por uma Justiça lenta, ineficaz, cada vez menos independente, cada vez menos ao serviço dos cidadãos, cada vez mais preocupada com o seu ego. Parece que todas estas personagens, defendendo ao extremo as suas teimosias ou interesses, privados ou corporativos, não desejam entender-se e colaborar na terapêutica de que a nação tanto precisa.
A maioria dos cidadãos, justificadamente, vai perdendo a sua confiança nessa gente. Mas, por sua vez, também não se esforça por aí além e pratica até, a nível menor, os mesmos vícios e desmandos daqueles que deveriam dar o exemplo...Como em épocas remotas, os místicos esperam um milagre, ou aguardam pacientemente a chegada de um qualquer D. Sebastião, enquanto outros, menos imaginativos, anseiam pelo regresso de novo Marquês de Pombal, ou até de um segundo Salazar, para acabar com o regabofe dessa rapaziada fina; desejariam impor já e pela força a tal terapêutica de choque necessária que todos os portugueses exigem mas que nenhum dos maiorais se atreve a fazer aplicar, porque os minorais não fazem a mínima tenção de cumprir...
Cobardes! São todos uns cobardes!
Todos, não!!!
Se fossem como eu, aceitavam humildemente o remédio difícil de tomar, com força de vontade e sorriso nos lábios, e não perdiam tempo em discussões estéreis. Poderia recomendar-lhes, sobretudo, que não fossem apenas derrotistas ou más-línguas, que abdicassem das suas prerrogativas e mordomias, que se deixassem de birras e se portassem como homenzinhos, que fizessem algo, por fim que tivessem esperança em melhores dias… mas é lá com eles.
O certo é que nunca vi um doente desesperado de espírito melhorar ou curar-se fisicamente. Por isso, caros concidadãos:
Vou para a minha esperançosa terapêutica de choque, e termino o meu Discurso do Estado da Nação dizendo simplesmente adeus a todos, tristemente, porque sinto que as minhas palavras serão metidas em saco roto…
Aos numerosos irresponsáveis do nosso país sugiro que, ao menos, evitem brindes com whisky e regressem ao tradicional mata-bicho dos tempos de penúria. Desejo-lhes, com sinceros votos de regeneração a curto prazo,
-Saúde e bichas! *
*Para quem não saiba, bichas são as lombrigas, afugentadas provavelmente com um cálice de bagaceira, tomado antes do pequeno-almoço, no antigamente…)
1 comentário:
"O certo é que nunca vi um doente desesperado de espírito melhorar ou curar-se fisicamente. "
Foi a frase que mais gostei de ler, neste texto metafórico, de um estado de saúde/nação.
Vezes há em que sai mais fácil as palavras para o papel do que para um qualquer interlocutor que, sem se aguentar apenas como ouvinte de alguém que precisa de desabafar, começa logo a dar os tais palpites, a pensar que está a ajudar, quando na verdade, o silêncio seria a melhor ajuda. O papel ( neste caso, com as modernices, já é um teclado a servir de caneta, e um monitor a servir de papel ) não opina, é silencioso, o melhor amigo para horas menos boas, em que um desespero visceral se acumula em todo o nosso ser.
Não vou telefonar, sei das noticias que preciso saber. Não vou sujeita-lo a falar do que não quer, a repetir mais uma vez algo que deve martelar constantemente dentro da sua cabeça. Apenas uma palavra ... sei que é homem forte, de espirito tenaz e lutador. Vai conseguir vencer mais essa. Quanto à ideia de apenas adiar o inadiável, afinal, todos nós, em cada dia que acordamos, é isso mesmo que acabamos de fazer. Adiar, por mais um dia, o tal momento.
Um beijo e muita força.
E vamos fazer a festa dos 50 anos, como um ode à Vida, ao Amor e à Fé de que tudo conseguimos, assim o queiramos.
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