sexta-feira, 17 de abril de 2009

PRESSÕES DIABÓLICAS



A pressão atmosférica e outras

Uma onda de pressões tomou conta da imprensa nacional, tal como a pressão atmosférica tem na mão os especialistas da meteorologia.
Também as ondas do mar exercem sempre uma enorme pressão sobre as costas, e a portuguesa não é excepção. Todos os anos a mesma imprensa faz eco das reclamações e dos gritos da população ribeirinha que vê o mar invadir e roubar areias, casas, e até algumas vidas. Em vão! A violência e a constância da gigantesca pressão das ondas não poderá ser alterada com medidas daqueles que, ainda para mais, passam o tempo a tagarelar ou a discutir aquilo que hão-de fazer, sem fazer nada!
Como disse, a pressão atmosférica deixa com muita frequência os sábios da meteorologia embasbacados, incapazes de prever com segurança as inclemências do tempo e, sobretudo, os cataclismos que assolam esta humanidade que, desde o berço, vive numa permanente pressão, visível ou assolapada.
Se todo o mundo é sujeito a mudança, como dizia o poeta, também é verdade que essa mudança tem origem nas pressões, nas altas pressões que constituem a essência da nossa vida e da própria morte. Alguns não conseguem aguentar as altas pressões do acto de nascimento. Outros vão caindo, ao longo da vida, sob pressões de vária ordem. Viverá até mais tarde quem conseguir resistir, durante mais tempo, às pressões a que está sujeito.
Também a vida profissional de cada um está sujeita a pressões. Ninguém consegue escapar delas, sejam físicas, técnicas ou morais. A fragilidade e a resistência física, a ignorância e os conhecimentos técnicos ou culturais, a debilidade mental e o grande estofo moral de cada um, são os únicos reforços ou contra poderes às pressões que facilitam ou complicam a vida, profissionalmente falando.
Pretender que alguém possa viver num mundo isento de pressões, é pura utopia. Até Cristo e os Santos foram alvo das maiores pressões, de todos os tipos e feitios. Mas souberam sobrepor-se a elas, não se deixando atemorizar nem convencer, nem vencer.
Por isso é que a onda das pressões que ciclicamente invade a justiça, os sindicatos de magistrados, da imprensa, ou dos trabalhadores, as ordens profissionais, as confederações patronais, as empresas, as autoridades, os professores, os alunos, os próprios governos, e por aí fora, me deixa com vontade de sorrir e de chorar ao mesmo tempo. Metade do mundo pressiona ou é pressionada pela outra metade.
Um artigo interessante que li há dias, num matutino, referia-se aos cargos da Magistratura do Ministério Público, escolhidos sob escrutínio de partidos ou entidades governamentais e às eventuais pressões inerentes, etc. As hierarquias, automaticamente, exerceriam pressões sobre os seus dependentes, directa ou indirectamente, nem que fosse com a antevisão das próximas ou longínquas promoções nas careiras profissionais. Ora isto é um assunto trivial do conhecimento geral de qualquer funcionário que obedece a um superior hierárquico, ou não quer esquecer o seu benfeitor…
A justiça, segundo o articulista, estaria dependente, mesmo na sua tentada independência de julgamento!
Discordo totalmente, porque nem os governantes do país são um grupo de déspotas, nem os magistrados um bando de funcionários incompetentes, venais e submissos.
No entanto, algumas situações irregulares ocorrem por aí, neste Portugal desde a Idade Média bem conhecido como o país da cunha onde a lei é contornada diariamente sem cerimónia, terra fértil de gentes permeáveis às pressões, onde o aforismo «antes quebrar que torcer» se refere a umas quantas excepções, cada vez mais passadas de moda.
Há dias, o bastonário da Ordem dos Advogados, numa das suas tiradas «tremendistas», dizia mais ou menos (não sou já capaz de reproduzir a frase) que os juízes bem sabiam que eram os profissionais mais sujeitos a pressões, no desempenho da sua espinhosa missão, mas aqueles que passavam a vida a queixar-se delas, com medo de não lhes ser superiores, não deveriam ter escolhido essa profissão. E no entanto, a História Universal está cheia de maus exemplos de juízes que não tiveram estofo de resistir a cunhas, digo pressões de governantes, de poderosos ou até das próprias mulheres! Verdade seja que também lá se encontram exemplos dignificantes de pessoas imunes a pressões, como Thomas Moore, a quem Hentique VIII mandou cortar a cabeça, por não sancionar a sua relação pecaminosa com Ana Bolena. O que significa que o profissionalismo e a ética, na justiça, devem estar acima dessas trapalhadas. As pressões, venham donde vierem, só podem ter o valor que lhes for dado pelos seus profissionais. Ética e profissionalmente, nunca deveriam ter, para os magistrados, qualquer valor!
Enfim, já se falou demais sobre as pressões, não contando com o papel e a tinta dos jornais que enchem os modernos ecopontos. Tem-se perdido um tempo precioso com a politiquice do costume, com os respectivos inquéritos corriqueiros, por demais ridículos e sempre inconclusivos, e tudo com elevados custos para o país, a juntar a tantos outros gastos improdutivos que por aí abundam.
O certo é que, para além de todas as pressões, verdadeiras ou fictícias, que possa haver sobre juízes, nos mega processos em curso na Justiça Portuguesa, o que toda a população deseja, ardentemente, é que justiça seja feita, doa a quem doer, rápida e eficazmente, sem fofocas, sem queixinhas, sem recados na imprensa, com brio, com profissionalismo, sem medo de pressões de ninguém! Só assim o povo entende a justiça e é para servi-lo, o melhor que puder e souber, que ela existe. Felizmente, as palavras do PGR, ontem proferidas, pedindo aos procuradores que se sobreponham sempre a todo o tipo de pressões, incluindo até as familiares, vão nesse sentido.
Basta de falar de pressões, de pura conversa fiada, de oportunismos, e de tantas outras desculpas, quais tiros no pé de uma instituição que já tanto manqueja. Desejam-se resultados!
Para nos preocupar deveriam ser suficientes as pressões da crise económica, para a qual os entendidos ainda não encontraram a solução, e as suas diabólicas variações de pressão atmosférica, com os respectivos temporais, para os quais a Meteorologia infelizmente ainda não tem remédio.

MORDAÇAS DE ONTEM E DE HOJE



As trivialidades e politiquices do costume

Já é um lugar comum falar das mordaças, a propósito de tudo e de nada. Na maior parte das vezes, essas mordaças são puramente imaginárias, traduzem a impossibilidade de fazer o que muito bem se entende e nunca de dizer aquilo que se pensa. Hoje, infelizmente, qualquer um recorre à ideia da mordaça em sentido figurado, apesar de mandar para o público tudo aquilo que lhe vai na alma, com rapidez e sem qualquer entrave, com respeito ou não, pelo seu semelhante.
Mas nem sempre as coisas foram vividas dessa maneira. Nos tempos do Estado Novo, foram colocadas mordaças eficazes na boca das pessoas, através de mecanismos legais tirânicos, reforçados pela PIDE e pela Censura. Não se tratava de mordaças imaginárias, nem de conversas em sentido figurado porque, alguns que tiveram a tentação de tirar a mordaça imposta foram parar com os ossos aos calabouços, ou deportados para as colónias, ou ainda encerrados no Tarrafal, chegando mesmo a pagar com a vida o seu atrevimento de abrir a boca demasiado.
Por isso, quando algumas aves de arribação vêm à televisão ou escrevem sobre as mordaças a que estão sujeitos, em tempos de total liberdade de palavra, dá-me enorme vontade de rir. Mas pior ainda é quando se trata de políticos com uma bocarra enorme para dizer as coisas mais absurdas que lhes sobem à cabeça, apesar da responsabilidade dos cargos públicos em que estão investidos.
Ontem, um jovem deputado cujo partido não conseguira fazer vingar uma sua proposta na Assembleia, dizia-se vítima da mordaça do partido maioritário. A resposta veio logo a seguir, pela boca de outro colega desta bancada, referindo que ele, sim, fora vítima da mordaça no Estado Novo, quando ele ainda andava de cueiros. Entre mordaças e mordaças, foi assim criado um clima propício aos comentaristas de serviço, aos emissores de opinião oficializados e avençados pelos principais órgãos de Comunicação Social, etc.
É curioso observar como coisas de lana caprina como esta e outras ainda mais comezinhas, ocupam tantos cérebros tidos como esclarecidos! Não sei mesmo como é que sumidades da política, da imprensa, da ciência e do ensino, que muito podem e devem dar ao país, perdem o seu tempo a ler, a escrever, a discutir pepineiras deste tipo, em lugar de preocupar-se verdadeiramente com os magnos problemas nacionais.
Que seja eu a escrever duas linhas sobre isso, como reformado e com os pés para a cova, vá que não vá. É o resultado da aplicação do tempo que me sobra, depois de gerir a minhas próprias crises de saúde ou de gestão económica, porque já dei ao país o que tinha a dar.
E, no entanto, ainda me atrevo a sugerir alguns conselhos de velho. Por exemplo, olhando pela janela do meu gabinete, vejo os costumeiros passeantes dos cãezinhos, alguns já de grande tamanho, ziguezagueando nos relvados, alçando a perna contra as árvores dos passeios fronteiros, ou largando os dejectos estrategicamente, para escorregadela de crianças e velhotes descuidados. Nenhum destes bicharocos anda amordaçado!
Quando vou recolher uma das netas ao colégio, passo por entre um grupo de vivendas, cujos cães de guarda nos assustam, felizmente apenas com o seu ladrar furioso, para além das altas grades e redes protectoras dos pátios. Nenhum está amordaçado!
De vez em quando, leio as notícias de mais um ataque destes cães, nunca amordaçados, a crianças ou adultos desprevenidos.
Nessas ocasiões, como de costume e contrariamente ao que seria de esperar, um coro de lamentações se levanta na imprensa, envolvendo as mais diversas personalidades, com artigos sobre saúde, segurança, veterinária, legislação, fiscalização e até a protecção dos animais que não teriam culpa do abandono, ou das travessuras das crianças que os provocariam…
Mais estranho ainda é que nenhum desses prosadores encartados refere a mordaça aos bichos como remédio barato e eficaz, provavelmente aliviando alguns sofrimentos e mortes desnecessários. Preferem pregar aos leitores, no seu status intocável, do alto do seu púlpito, sobre as suas mordaças imaginárias e inócuas.
Felizmente, o 25 de Abril trouxe muitas vantagens ao povo, e também, infelizmente, algumas incongruências. Por exemplo, foi retirada, e muito bem, a mordaça da boca dos portugueses, medida nem sempre bem aproveitada. Mas deveria ter mantido a mordaça obrigatória aos cães, quando fora das suas casotas!
Estou já a prever a fúria da Sociedade Protectora dos Animais…
Ainda bem que não tenho nenhum cãozinho no meu pequeno apartamento!