terça-feira, 4 de agosto de 2009

JUSTIÇA MEDIÁTICA NO TOPO


Dificuldades e demoras da Justiça dos Códigos

O ditado antigo diz que a voz do povo é a voz de Deus, mas não especifica pormenores. Tomado assim, à letra, pode servir para tudo. Ora todos sabemos que a voz do povo é bem falível precisamente porque, na maioria dos casos, é ditada pela emoção acalorada, maleável e pouco credível, mais que pela razão pura, fria e dura.
A Comunicação Social de que hoje desfrutamos, em liberdade democrática plena, trouxe até aos cidadãos o conhecimento de factos ou simples suspeições que até há umas meras dezenas de anos não teriam relevância nenhuma entre nós ou mesmo, tendo-a, permaneceriam silenciados para sempre.
Agora, uma imprensa sempre ávida de casos sensacionais, espicaça o sentido crítico e simultaneamente derrotista dos cidadãos, de maneira a julgar seja o que for que saia um pouco do comum, seja verdadeiro ou simplesmente tido como tal. E assim se desenvolve em plenitude uma certa Justiça Popular, amparada numa Justiça Mediática de topo, instigadora e condutora de investigações, comentadora e julgadora rápida e sem recurso, em oposição frequente à Justiça legal, morosa, cuidadosa, virgulista, dos Tribunais.
As duas primeiras justiças têm por base as suspeitas, os boatos, as cartas anónimas, as denúncias feitas por fontes nunca investigadas e mantidas secretas, por investigações superficiais e raramente sem as provas exigidas à terceira para poder exarar um veredicto honesto e credível. Mas, inversamente, têm pelo seu lado a força da persuasão, da emoção e da rapidez de julgamento, da sua própria propaganda ante a opinião pública… A Justiça dos Códigos, obrigada por lei a ser honesta e cumpridora, tornou-se morosa em demasia, com medo de errar, enreda-se na eternizada busca ou confirmação de provas que, à partida, deveriam ser mais concludentes logo na abertura dos processos e, no final, nem sempre consegue ser credível para um número cada vez maior de cidadãos!
Dizia há dias um considerado articulista que «o que o juiz decide não interessa. Temos um país que não acredita na verdade das decisões judiciais em matéria de crime. Não parece, mas é tão grave quanto achar que a polícia não está feita para apanhar bandidos…»
Na verdade, casos como o de Fátima Felgueiras, antecipadamente condenada pelos Media e por uma parte da população, foi absolvida pela Instituição da Justiça que não conseguiu convencer a maioria, da sua justeza, ao fim de uma longa demora de anos e anos de processos, com vários incidentes mediáticos pelo meio.
Outro tanto aconteceu com a maior parte das acusações feitas a Ferreira Torres.
O caso Valentim Loureiro ainda está para durar, no mesmo Tribunal dos Códigos, embora o julgamento mediático já esteja feito há muito.
O certo é que a opinião pública em geral, que cada vez mais descrê da Justiça dos Tribunais, quando se trata de julgamentos da «Alta» ou de políticos, arrasa ambos, mas especialmente os políticos, gozando antecipadamente com a sua eventual condenação, enquanto por sua vez a Comunicação Social, em liberdade plena intocável, lhe vai distribuindo os seus pacotinhos doces ou amargos, mas sempre maliciosos, de amêndoas negras e brancas, atiçando-a, enaltecendo-a ou amesquinhamdo-a, derrotando-a, levando-a sempre à certa...
Hoje, para terminar a revista dos casos mais importantes e recentes relacionados com a administração autárquica, foi conhecida a sentença de Isaltino de Morais, o «dono» exemplar de Oeiras, há muitos anos.
A maledicência geral já cantava epítetos desagradáveis à Justiça, esperando a «anacrónica» absolvição do costume. Mas tal não se verificou. A Justiça desvalorizou os dados apresentados pelos média e pela investigação como corrupção activa ou passiva, mas não pôde absolver o seu crime de fuga ao fisco, a única coisa da administração pública que, desde há algum tempo a esta parte, dá mostras de funcionar eficazmente!
O autarca foi condenado a sete anos de prisão efectiva, perda de mandato, e pesada multa. Vai recorrer, claro está, e daqui a uns anos, se tivermos todos vida e saúde, cá estaremos para ver a sentença definitiva de um qualquer Tribunal Superior, que poderá ser o Supremo Tribunal de Justiça…caso não continuem os recursos até ao Constitucional ou ao Tribunal da UE, quando as nossas barbas forem bem branquinhas ou já estivermos muitos de nós a fazer tijolo.
E, sendo assim, dado o desembaraço e a rapidez das sentenças mediáticas, e as dificuldades e demoras de tantas sentenças legais, como será possível tornar um pouco mais credível a nossa Justiça dos Códigos, aos olhos dos cidadãos?
Ou alguém acredita ainda que mudando os códigos ou deitando-os para o lixo se resolveria o problema?







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